22 junho 2008

> ONG contrata ex-traficantes para atuar em morros do Rio

PLÍNIO FRAGA da Folha de S.Paulo, no Rio
A guerra urbana protagonizada por facções criminosas no Rio fez surgir uma nova função social: a de mediador de conflitos. São ex-traficantes e ex-presidiários que atuam em diversas favelas conflagradas para tentar minimizar efeitos de confrontos para moradores, resgatar jovens do tráfico e até fazer a interlocução entre Estado e as comunidades.
O Afro Reggae --que comemora 15 anos de existência e emprega entre seus 200 funcionários duas dezenas de ex-traficantes e ex-presidiários com a função de mediador de conflitos-- dá consultoria a ações na Índia, na Inglaterra e na Colômbia, por exemplo.
Se mediar é uma nova função, conflitos sempre fizeram parte da rotina de Washington Rimas, o Feijão, 33, que foi líder do tráfico durante dez anos, e de Norton Luiz Guimarães Rosa, 49, que foi comandante da rebelião que matou 30 pessoas em uma cadeia do Rio em 2004.
Feijão e Norton hoje mantêm só divergências léxicas: Norton prefere usar "cristalino" em tudo o que poderia ser descrito como "puro", por lembrar o TCP (Terceiro Comando Puro); já Feijão não usa a palavra "fiel", porque é assim que o CV (Comando Vermelho) define o chamado braço direito.
A moradora e o botijão
O papel mais visível de Anderson Sá, 29, no Afro Reggae, é ser vocalista da banda que leva o nome da ONG. Nasceu em Vigário Geral, que é vizinha de outra favela plana, a Parada de Lucas. A disputa pela venda de droga nas duas comunidades ocorre há 25 anos - o que levou a região entre Vigário e Lucas a ser batizada de Vietnã.
É nesse ambiente que Anderson Sá atua. A cada invasão de uma comunidade por uma facção, dezenas de moradores vinculados aos rivais fogem.
Numa dessas ocasiões, Sá interveio em defesa de uma moradora que tentava escapar de Vigário, carregando consigo um botijão de gás, talvez seu bem mais valioso ou útil.
Anderson Sá, que conhecia um dos líderes do tráfico do TC (Terceiro Comando), foi acusado de agir em prol do CV. Foi cercado e ameaçado. Levou dias sob forte tensão para explicar ao chefe do tráfico que havia ali um mal-entendido.
"Na dúvida, quem é neutro acaba levando a culpa. Em situação de caos total, aparecem novos mediadores, que muitas vezes viveram do outro lado e hoje são neutros e se arriscam", analisa José Junior, coordenador-executivo do Afro Reggae. Fundado em 1993, o Afro Reggae é movido por recursos de mais de R$ 8 milhões obtidos junto a empresas como TIM, Petrobras e Natura.
Um Pezão de cada lado
A trajetória de Junior fez com que tivesse em seu caminho dois homens que estão em lados opostos, mas que têm o mesmo apelido: Pezão.
Luiz Fernando de Souza é vice-governador, responsável por convênios com a União para as obras do PAC; Luciano Martiniano da Silva, o outro Pezão, é um dos chefes do tráfico do Complexo do Alemão.
Quando do início das obras do PAC, Junior conversou com o dois Pezão para expor anseios e preocupações dos moradores do Alemão. Nascido na vizinhança do complexo, Junior conhece Pezão há sete anos. Do Pezão vice-governador, aproximou-se há dois.
Quando 19 pessoas morreram em uma incursão policial no Alemão há um ano, lideranças comunitárias recorreram a Junior para serem ouvidas pelo vice-governador. "O ideal é não ter tráfico. Mas tem. No universo do caos, temos de lidar com o menos pior", diz Junior.
Banda 190
Charles Anderson Menezes Rosa, o Brother, 29, é morador do Alemão desde que nasceu. Cabe a ele recepcionar os convidados do Afro Reggae na área.
Na semana passada, o ex-assaltante assustou-se ao saber que teria de ir à sede do Batalhão de Choque da PM do Rio. Tinha de levar um ofício. "Lá, um policial virou e disse: está lembrado de mim? Eu olhei para cara dele e pensei: será que esse cara já me prendeu?". Mas o policial o conhecia por outra razão: é o saxofonista da banda 190, formada por PMs e que vai tocar no aniversário do Afro Reggae na próxima quarta.

Um comentário:

  1. Amigo Jota, seu texto é muito bom.Na verdade, quando venho aqui, fico bem mais do que deveria, bebendo suas palavras bem devagar. Um abraço.

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